-

Fundo

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Ruth de Souza, Zezé Motta e Taís Araújo refletem sobre a presença do negro nas últimas décadas na TV



Zezé Motta, Ruth de Souza e Thaís Araújo são estrelas da TV
Foto: Ana BrancoRIO - Sentada ao lado de Ruth de Souza e Zezé Motta em um café no Jardim Botânico, Taís Araújo assume estar diante de duas de suas maiores referências na carreira.
— Eu só estou aqui (trabalhando como atriz) porque essas duas mulheres persistiram — afirma uma falante Taís.
Com protagonistas e outros papéis marcantes, a atriz, que completa 35 anos no dia 25, representa, ao lado de Ruth e de Zezé, um retrato da mulher negra na televisão. São atrizes de diferentes gerações que conquistaram lugares de destaque na dramaturgia nacional.
— O ganho das gerações que vieram depois da minha é ver atores negros de todas as idades trabalhando, inclusive os mais jovens. Hoje temos várias meninas novinhas e adolescentes no ar que servem de referência para as crianças. A identificação mais próxima que eu tinha antes de estrear era a Zezé, que é de outra geração — analisa Taís.
O panorama mudou, dizem as três. E é diferente do vivido por Ruth em seu começo de carreira, na década de 1940. Primeira negra a atuar no palco do Teatro Municipal do Rio, ela abriu espaço para outros artistas e fez parte do grupo de pioneiros que estiveram nas transmissões iniciais da televisão, na TV Tupi. Filha de um lavrador com uma lavadeira, Ruth cresceu com o desejo de se tornar atriz, apesar de ouvir de todos que não havia outros artistas com a sua cor de pele.
— Faziam piada quando eu dizia que queria ser artista — recorda a veterana, de 92 anos de idade, que, ao estrear, driblou a falta de espaço integrando o grupo de Teatro Experimental do Negro: — Apesar de tudo, não me queixo. Desde que comecei, nunca parei.
Ruth coleciona trabalhos históricos em tramas como “A cabana do Pai Tomás” (1969) e “Sinhá Moça” (1986), onde atuou ao lado de Grande Otelo.
— Quando fiz “A cabana do Pai Tomás” o público reclamou muito e tiveram que tirar o meu nome dos créditos. Já passei por outras situações de preconceito como essa. Antes, eu havia tentado uma vaga como atriz numa novela na Rádio Nacional e não consegui. Disseram que não tinha papel para uma negra. Mas a voz do negro é diferente? — ironiza Ruth.
Apesar de já ter chegado no vídeo depois de nomes como o da própria Ruth e o de Léa Garcia, Zezé, de 65 anos, também precisou conquistar o seu lugar. A atriz afirma ser “de um tempo em que só tinha um ou, no máximo, dois negros em cada produção” da televisão.
 
— Só víamos muitos negros numa mesma novela se o assunto fosse escravidão — aponta Zezé.
Ela conta que se já estivesse no ar, Neusa Borges, que é da mesma faixa de idade, não seria escalada. E cita ainda o caso de Zózimo Bulbul (1937-2013). Se ele fosse chamado para uma novela, as chances de Antônio Pitanga diminuíam.
— Hoje vemos de seis a oito negros ao mesmo tempo num mesmo folhetim. E com papéis variados — destaca Zezé, antes da fazer mais uma ressalva: — Mas se nos basearmos no número de negros do Brasil, a representatividade na TV ainda é muito pequena.
No ar atualmente na série “Copa Hotel”, no GNT, Zezé trabalhou em mais de 20 novelas em pouco mais de 40 anos de carreira. Atriz e cantora, foi a Xica da Silva do filme de Cacá Diegues, de 1976. Na TV, já contracenou com Ruth em “Corpo a corpo” (1984). Interpretou a filha da colega numa trama que marcou sua carreira. Fazia uma jovem de classe média que tinha um romance com o personagem de Marcos Paulo (1951-2012). O relacionamento não foi bem recebido por parte do público.
 
— Teve gente que me dizia: ‘Eu mudo de canal quando você aparece ao lado do Marcos Paulo’. Outras pessoas falavam que não acreditavam na veracidade do casal — lembra Zezé, que também já passou por situação semelhante na vida real: — Tive um namorado branco, e a família dele aceitava. Mas foi só a gente decidir de se casar para começar uma confusão. A mãe dele foi parar no hospital e não teve casamento.
Entre um gole e outro de capuccino, Ruth conta nunca ter vivido um romance inter-racial nas novelas. Com Taís, a experiência foi outra. Ela sentiu a mudança positiva no comportamento do público em “Da cor do pecado” (2004). A novela trazia a atriz como a primeira protagonista negra de um folhetim da Globo. Preta, a personagem, se relacionava com Reynaldo Gianecchini, e contava com grande torcida.
— Lembro que fui conversar com a Zezé antes dessa novela, e ela disse que era para eu me preparar. Mas o casal funcionou e até hoje é lembrado pelas pessoas. Foi uma mudança — destaca Taís.
 
A atriz é a cara de uma geração que chegou à TV numa fase mais avançada. É dela o título de primeira protagonista negra de um folhetim, em “Xica da Silva” (1996), exibida pela extinta Manchete. Antes de Taís, somente Yolanda Braga teve um papel principal, em “A cor da sua pele”. Mas o folhetim, de 1965, ainda fazia parte de uma era inicial da TV.
Taís também foi a primeira protagonista negra do horário nobre da Globo, em “Viver a vida” (2010). Mas não gosta de se vangloriar com esses títulos.
— Foi importante, mas acho chato isso de ‘a primeira isso’ ou ‘a primeira aquilo’. Serve para quê? Eu cheguei num lugar confortável. Mas será que vamos avançar ou que eu vou simplesmente parar no almanaque da TV brasileira? Sinto falta de autores e diretores negros na televisão. A nossa história é sempre contada pelo ponto do vista do outro.
Questionada desde muito jovem sobre a presença dos afrodescendentes na TV, Taís admite que hoje se sente mais segura para tratar do assunto.
— Só hoje eu me sinto mais preparada e segura para falar sobre as questões do negro. Apesar de ser filha de pai economista e de mãe pedagoga, o meu discurso de afirmação e a minha identidade negra eram frágeis. Fui criada na Barra da Tijuca, e o meu referencial era outro. Apurei o meu olhar sobre o assunto aos poucos. O Lázaro (Ramos, marido da atriz) é um cara que já vinha com um discurso político mais pronto e também me ajudou nesse processo — relata.


Fonte:   Oglobo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...