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domingo, 8 de novembro de 2015

Taís Araújo: O sucesso que incomoda

A sexta protagonista vivida pela atriz carioca Taís Araújo, na sérieMister Brau, na TV Globo, é uma mulher poderosíssima que desfila trajes exuberantes pela mansão recém-comprada num condomínio no bairro carioca da Barra da Tijuca. Responsável pela carreira bem-sucedida do marido, um astro internacional, a personagem Michele passou de menina pobre do subúrbio a coreógrafa e empresária milionária do pop. É uma artista talentosa, hábil com as finanças, fluente em várias línguas e, não bastasse tudo isso, que manda no marido famoso. Na bem-humorada série sobre o convívio de artistas com elites emergentes, Michele desperta um incômodo constrangedor em sua vizinha rica, Andrea, interpretada pela atriz Fernanda de Freitas. Andrea não consegue conceber que uma mulher como Michele seja tão carismática, livre, chique e segura de si. Antes de saber quem eram os novos donos da casa ao lado, Andrea chega a confundi-los com ladrões da propriedade. Fora da TV, o talento de Taís, a atriz, tem causado ainda mais incômodo que o de Michele, sua personagem.

Taís Araújo: o sucesso que incomoda (Foto: Sergio Zalis/TV Globo)

página de Taís no Facebook foi atacada no último sábado, dia 31, com mensagens racistas. “Cabelo de esfregão.” “Já voltou pra senzala?” “Entrou na Globo pelas cotas.” “Parece um animal.” Taís recebeu dezenas de mensagens de diferentes perfis num intervalo curto de tempo. Até o final da semana, quase 1 milhão de internautas compartilharam o conteúdo. Um dia depois do episódio, a hashtag “SomosTodosTaísAraújo”, em apoio à atriz, ficou entre os assuntos mais comentados do Twitter no Brasil. Fãs, artistas e ativistas prestaram solidariedade nas redes. Diante dos ataques, Taís se posicionou com a elegância e a força de sua personagem Michele. Não se calou.
Na internet, Taís manteve os comentários racistas para que todos sintam, como ela, “vergonha de ainda ter gente covarde e pequena neste país”. Em resposta aos criminosos, na mesma página em que foi alvo de ataques, escreveu: “Não vou me intimidar. Tampouco baixar a cabeça. Quero que esse episódio sirva de exemplo: sempre que você encontrar qualquer forma de discriminação, denuncie”. Levou a acusação para além do universo virtual. Na quarta-feira, dia 4, Taís foi a uma delegacia no Rio de Janeiro para registrar queixa e ficou lá cerca de duas horas. “A polícia só pode investigar crimes como esse com a autorização presencial da vítima”, afirma o delegado responsável, Alessandro Thiers, da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática do Rio. “A atitude dela estimula outras vítimas de crimes de ódio na internet a buscar os culpados.” Ao deixar a delegacia, Taís não deu entrevista. Num comunicado, disse que prestou depoimento por saber que seu caso não é isolado.
Aos 36 anos, Taís quebrou paradigmas na televisão brasileira. Em 1996, aos 17 anos, representou o papel principal da novela Xica da Silva, de Walcyr Carrasco, na extinta TV Manchete. Assim que completou 18 anos, durante a trama, fez uma cena de nudez. Em 2004, com a personagem Preta, em Da cor do pecado, escrita por João Emanuel Carneiro, foi a primeira protagonista negra da Rede Globo. Em 2009 interpretou a primeira protagonista negra em horário nobre, com a Helena, da novela Viver a vida, de Manoel Carlos. Agora, em Mister Brau, ela e o ator Lázaro Ramos, casados na vida real, atuam pela primeira vez como o casal principal de uma trama. A encenação conjunta lhes rendeu uma citação no jornal inglês The Guardian, que comparou a dupla a uma versão brasileira dos astros americanos Beyoncé e Jay-Z. O casal também divide o palco na peçaO topo da montanha, com texto da dramaturga Katori Hall, sobre os últimos momentos de Martin Luther King (1929-1968). “A Taís é linda, espetacular, talentosíssima. Ela e Lázaro formam um casal incrível”, diz a atriz Solange Couto, amiga do casal. “Isso incomoda as pessoas.”
“Os comentários mostram como as marcas da escravidão ainda estão pulsantes em nossa sociedade”, afirma Juliana Gonçalves, consultora do Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdade. “Na internet, que permite a conexão direta, mas sem a humanização do olho no olho, essas marcas vêm à tona.”
Há um padrão de comportamento entre os crimes de ódio cometidos no ambiente virtual. Em geral, esses internautas invadem as redes sociais com perfis falsos, disparam ofensas explícitas e chegam a derrubar as páginas de algumas vítimas. Agem em função de algum preconceito. “O objetivo deles é impedir que determinados grupos se manifestem”, afirma Natália Néris, pesquisadora da Internet Lab, centro que estuda a violação da privacidade no mundo virtual. “Intimidam na tentativa de retirar essas pessoas da internet.” Para orquestrar as agressões, os criminosos, a maioria jovens, reúnem-se em fóruns de discussão conhecidos como chans ou imageboards. Atuam quase sempre de forma simultânea.

PARCEIROS Taís Araújo e o marido, Lázaro Ramos, como protagonistas da série Mister Brau. Ela não apagou as mensagens racistas, para todos sentirem vergonha (Foto: Renato Rocha Miranda/Globo)

É difícil não relacionar os ataques a Taís aos sofridos em julho deste ano pela jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, também da TV Globo. Primeiro pela dinâmica em si – ambos originados de perfis falsos, retirados do ar na sequência, e escritos num curtíssimo intervalo de tempo. Segundo porque, nos dois casos, as vítimas são mulheres negras com carreiras em evidência. Enquanto Taís está em seu auge profissional com a Michele, Maju se tornou, em abril deste ano, a primeira mulher negra a apresentar a previsão do tempo noJornal Nacional. Além de racismo, há sinais de preconceito de gênero. Por que miraram Taís, e não seu marido, Lázaro Ramos? Por que atacaram Maju em vez do jornalista Heraldo Pereira, seu colega no JN?
Dias depois dos ataques a Maju, a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância em São Paulo abriu um inquérito para investigar a prática de discriminação ou preconceito. Chegou a umjovem de 15 anos. A polícia afirma que Taís foi vítima de injúria racial, quando o preconceito é dirigido a uma única pessoa. Se o alvo do ataque fosse um grupo ou uma etnia, o crime seria de racismo. A pena para injúria pode chegar a quatro anos de prisão. O delegado Thiers não descarta a hipótese de as ofensas terem sido coordenadas por um grupo. “Se identificarmos que há a formação de uma quadrilha organizada, a pena poderá chegar a oito anos”, diz. O próximo passo da investigação é pedir a quebra de sigilo dos autores das mensagens. Em nota, Taís diz que confia na polícia para a solução do caso e que “continuará dedicada a seu ofício”. Sorte nossa.
Fonte: Epoca

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